sábado, 10 de dezembro de 2011

O Itaú-Unibanco me chamou de mentiroso ontem

Na entrada do cinema Arteplex Itau-Unibanco Pompeia* ontem, foi uma cena tirada do Ardil 22 de Joseph Heller, onde a lógica sempre favorece o sistema:

- Quantos anos tem seu filho?

- 12.

- Tem carteira de identidade ou carteira escolar?

- Não. Não trouxe, pois nunca me pediram identificação antes.

- Então não posso cobrar meia entrada.

- Mas olha para a cara dele, você acha que ele não tem 12 anos?

- Estou seguindo ordens da empresa. Até 13 anos, pode pagar meia entrada, mas tem que comprovar.

- E depois dos 13 anos?

- Paga inteira.

Detalhe: o cinema custa R$24, inteira, e R$12, meia.

Como realmente foi o diálogo pessoa física - empresa Itau-Unibanco (o banco 'mais sustentável do mundo'):

Empresa: Você quer pagar meia entrada, então vai ter que ter uma bela e boa desculpa.

Eu: Meu filho é menor de idade e estou acompanhando ele no início de sua vida social e cultural. Ele tem 12 anos.

Empresa: Mentiroso! Vai ter que provar, por que quero cobrar o máximo possível para lucrar mais em 2011 do que os R$13,3 bilhões que lucrei em 2010, portanto vamos cobrar todas as entradas inteiras que podemos.

Eu: Mas, olha, você acha que estaria mentindo? Meu filho parece ter mais de 13 anos?

Empresa: Não importa, o que importa é que arrecademos o máximo possível e vamos fazer isso até o limite da lei.

Eu: Mas eu tenho que comprovar também que ele estuda já que é minha obrigação garantir que ele frequente ensino fundamental inteiro até 14 anos? Você sabe que se ele não estiver na escola posso ir para a cadeia?

Empresa: Não importa. Tem que comprovar. O cinema é meu e deixo entrar quem eu quero. Mas como sou uma empresa boazinha, e você contestou, vou deixar você pagar meia, só desta vez.

Eu: Vou reclamar oficialmente.

Empresa: Pode reclamar, o endereço da Internet está aqui. No meio de tantas outras reclamações, a sua não vai fazer a menor diferença. Obrigada, e digite a senha que tenho que arrecadar mais dinheiro para os acionistas da empresa. 

A atendente e a gerente foram sempre educadas e atenciosas, o meu problema não é com elas, é com as regras impostas pelo banco.

Tudo bem, tenho que portar documento de identificação civil neste país, mas só preciso apresentar às autoridades, e não para o setor privado. Tudo bem, para comprovar meia entrada para adulto e após idade escolar tem que provar que está matriculado em algum curso reconhecido.

Tudo bem que este ainda é o país do jeitinho, da vantagem, das pessoas que querem tudo para elas, sem dar retorno.

Mas não tenho que aceitar a barbárie e acredito que está na hora de mudar. No fundo, senti que o banco, que cobra já tão caro pelo cinema, suspeitava que eu estivesse tirando vantagem deles e, portanto, reduzindo sua receita. De um banco, do qual não só sou cliente, e cujas campanhas publicitárias dizem que é um banco humano e responsável.

No fundo é só um acumulo de responsabilidades e cobranças jogadas para cima do indivíduo, o elo mais fraco.

Aí diriam para mim: Tudo bem, você parece um cara honesto, mas, e as outras pessoas que realmente querem 'fraudar' e pagar meia entrada? Seria o samba do crioulo doido e o cinema iria perder dinheiro e iria ter que cortar o serviços e você não teria cinema para ir. Além disso é a casa deles e eles que criam a regra.

Este não é problema meu. Na verdade tá tudo errado. O problema é que os direitos são todos condicionados porque somos todos suspeitos até provarmos o contrário. A frase que mais me arrepia é quando dizem: ele mora na favela, mas é gente boa, na verdade a maioria das pessoas que moram lá são honestas... (leia-se: suspeito que o cara faz o 'diabaquatro', como a maioria dos negros de lá, mas vou dar uma chance a ele porque sou bonzinho e tirei alguma vantagem)

O Itaú-Unibanco, na verdade, não faz nada de diferente. O setor público é ainda pior. Cito apenas o caso do bilhete de transporte escolar aqui em São Paulo que não só tem cotas limitadas de acordo com o número de dia letivos, mas cujo benefício não é estendido para TODAS as crianças até 16 anos, independente de estar na escola ou não.

Direito é direito e não deveria ser condicionado. Se queremos integrar a nossa população, que se eduquem, que tenham acesso à cultura, ao esporte, ao lazer, nada melhor que facilitar o ir e vir e garantir certas vantagens por ser criança - leia-se: ser que não tem condições de garantir a renda própria ainda, pois a prioridade é estudar.

Fui chamado de mentiroso ontem, mas no Brasil de hoje, isto é normal: Você é suspeito pelo jeito que veste, pelo endereço que tem, pela cor da pele, pela tentativa de garantir alguns direitos básicos.

Você é suspeito por protestar, por gostar de política, por não fazer o que o outro quer.

É suspeito por andar na garupa da moto, por entrar no banco de bolsa ou sem bolsa, por falar ao celular no banco, por solicitar cotas raciais, por ganhar dinheiro, por não ter dinheiro, suspeito por não gostar de TV, não ligar a mínima para de Roberto Carlos, por não torcer para a seleção, por não acreditar em deus. Enfim, suspeito de tudo antes que você prove que não é mal-intencionado.

O que eu esperaria que tivesse acontecido:

Eu: Três meias entradas por favor, duas crianças e um adulto.

Empresa: Por favor comprove a matrícula regular do adulto que está solicitando a meia entrada, é o senhor?

Eu: Sim, aqui está.

Empresa: Ok. Favor digitar a senha do cartão.

Simples assim. Criança é criança e se queremos as crianças felizes e despreocupadas que aparecem nas campanhas do Itaú, vamos deixar de suspeitar delas por serem crianças e respeitar seus direitos até os 16 anos, antes que a criança comece a ser adulta.

PS Apoio plenamente as mudanças na lei que o governo está promovendo para estender o ensino obrigatório até os 17 anos, fim do ensino médio.

*PPS O nome correto do cinema é Unibanco Arteplex Pompeia, mas quis deixar assim para explicitar a ligação profunda que este cinema tem com o banco na rua principal.