domingo, 26 de julho de 2015

O barulho dos incovenientes e o silêncio dos culpados


A cidade de São Paulo é um animal estranho. Ela se diz a vanguarda do país e nós, paulistanos, nos orgulhamos de sermos desbravadores e modernos. Mas, sempre que há alguma mudança um pouco mais inteligente, um pouco mais voltada para o futuro com readequação de hábitos, há uma choraderia geral, liderada por uma elite econômica e encampada por matérias editoriaizadas e editoriais propriamente ditos nos jornalões e, finalmente, por meio da OAB ou do Ministério Público, a judicialização.

Foi assim, com os CEUS, foi assim com a taxa do lixo, foi assim com as ciclovias, com as sacolinhas, os corredores de ônibus, o conselho dos cidadãos das subprefeituras, o Uber, a regulamentação do transporte escolar, o IPTU progressivo e a aprovação da regra de solo criado no plano diretor e agora está sendo assim com a redução da velocidade nas pistas das marginais dos rios Pinheiros e Tietê.

Os exemplos vêm aos montes. Nas matérias editorializadas dos - famigerados e abandonados - cadernos de cidade (ah que saudades do Jornal da Tarde ou do Diário Popular, os diários metropolitanos que destruímos...), qualquer medida que olha além do parachoque do carro em frente é duramente combatida.

Os dois exemplos dos últimos meses são reveladores se pararmos um pouco para pensar.

O primeiro, o mais atual, é o caso da redução da velocidade máxima nas marginais. Antes, na pista expressa, o limite era de 90km/hr, hoje é de 70km/hr. A chiaderia está sendo geral.

"Meu deus, andar à 70km/hr nesta reta é quase impossível!", dizem. E aí gritam: "Cadê os estudos???? Cadê o planejamento??? Este prefeito está fazendo de tudo para atrapalhar o uso do carro na cidade, um absurdo!"

Mas basta fazer uma rápida pesquisa na Internet que é possível encontrar uma ampla gama de matérias e estudos mostrando que todas as metrópoles estão estudando ou implantaram medidas parecidas. (leia uma das melhoras análises da medida aqui)

A fatídica conclusão de estudos empíricos é que quanto menor a velocidade, menos o número de acidentes e menor ainda o número de acidentes fatais. Ponto final e acabou.

Do outro lado, a velocidade menor resulta em um fluxo mais uniforme e os tais "4 minutos a mais" são ilusórios, já que, na maioria do tempo, não se trafega na velocidade máxima, portanto, é possível que até se chegue mais rápido ao destino.

Eu não sou especialista em trânsito, mas basta pensar pra lá do vidro escurecido com filme do seu automóvel, olhar além do veolcimetro e baixar o volume da caixa de som que perceberá que as coisas fazem sentido.

Este é o barulho dos inconvenientes. 

O segundo exemplo é o da regulamentação do uso das sacolinhas de plástico e sua distribuição gratuita nos supermercados. Neste caso, admite-se, que não é exclusividade de São Paulo, é um debate girando em várias cidades.

Mas, depois de anos de gritas, disputas judiciais, acordos quebrados e refeitos, a prefeitura paulistana veio com uma regulamentação que obriga o uso de um só material na fabricação das sacolinhas, determina dimensões de cada uma, tenta casar a sua distribuição com organização dos resíduos e, acertadamente, proíbe a distribuição indiscriminada e gratuíta.

Apesar de positiva e necessária a regulamentação, a medida é no mínimo esdrúxula e não deu certo, precisando ser melhor debatida e revista.

Sim, sacolas maiores e padronizadas reduzem o número total, mas a questão da disposição final - as verdes para recicláveis e as cinzas para compostáveis - não funcionou muito. Não vejo qualquer distinção de uso na disposição final dos rejeitos e resíduos.

No entanto, o principal erro da regulamentação foi permitir apenas material 'renovável', fechando o leque para que só o plástico de cana de açúcar pudesse ser usado.

Na verdade, esta limitação olha apenas uma ponta do ciclo do plástico. A sua produção oriunda do processamento de cana de açúcar, sim, resulta em menos danos ao meio ambiente e emissão gases efeito estufa, melhorando e muito o ciclo pré-consumo em comparação à matéria prima vinda do petróleo.

Mas não resolve o ciclo pós-consumo, onde está o maior problema das sacolas. Ou seja, mesmo sendo feito de material orgânico originalmente, ainda é um plástico: as sacolas são de PET, PP ou PE. Material que contamina o meio ambiente, é difícil de degradar e, pelo peso das sacolinhas, quase impossível de reciclar já que não tem valor econômico pós-consumo.

A poluição das sacolas fere mais que a visão. Mata animais, infiltra no lençol freatico e impermeabiliza solos e aterros atrapalhando a decomposição natural.

Porque a prefeitura não determinou o uso de plástico compostável feito de fécula de mandioca ou resíduos agrícolas, tecnologia também detida por empresas brasileiras e cuja compostabilidade é mais alta?

Mas, depois de muita chiadeira do setor de plástico antes desta regulamentação, hoje há um silêncio sepulcral sobre o assunto, nos tribunais e nos jornais.

Ao contrário do trânsito, sobre o setor de plástico tenho algum conhecimento. No caso do plástico feito de cana de açúcar tem um principal fabricante no país, a Braskem que, por concidência é o principal patrocinador de entidades como Plastivida que promovem o uso do plástico, fomentam também a cultura da reciclagem, mas investem pesadamente contra qualquer regulamentação que possa reduzir o uso dos plásticos.

Este é o silêncio dos culpados.

Não gosto de clichês, mas, a realidade é esta: quando o paulistano vai para o exterior, acha as mesmas medidas uma maravilha, civilizatórias até.

Lá, anda a pé e xinga quem acelara em pista asfaltada. Aqui, xinga quem anda a pé e acelera em pista asfaltada.

Lá, paga em euros por sacolinha, que guarda e reúsa na maior tranquilidade, feliz por proteger o meio ambiente e deixar os centros europeus limpos. Aqui, se recusa a pagar em reais e entra na justiça para continuar poluíndo.


No fundo, ignoram que para chegar onde as cidades europeias chegaram, também houve dicussões, debates, oposição e finalmente a imposição do ente responsável.

Só que lá, não há tamanha judicialização, pois lá se reconhece as prerrogativas do administrador da cidade e, principalmente, lá há pluridade de opinião representada na mídia e em jornais dedicados a cobrir a cidade. No final, as pessoas não sobem em cavalo de batalha pois se sentem bem informadas, mesmo se não concordam com as medidas.

Naturalmente, se uma medida não der certo ou se um outro administrador for eleito, se muda.

Aqui, a presunção de culpa do administrador público é prerrogativa: ele é mal intencionado (só pensando na reeleição, oh meu deus! que crime), a administração públicaé é incompetente por natureza e imersuravelmente corrupta.

Em Londres, ou você compra ou lê o Daily Mail ou lê o Dialy Mirror se você é conservador ou mais à esquerda. Ou você lé o Times ou o The Guardian, e, se quiser quedar no centro, o The Independent.

Mas aqui a barragem de opinião divergente é opressora.

Das rádios, aos jornais. Das revistas às TVs. Só tem um lado: conservador. E por isso qualquer mudança é combatida, a não ser mudanças que exarcebam o liberalismo individualista que mata nossa (so)ci(e)dade.

Esta é a omissão do facinoras, pois estão matando o debate sobre nosso futuro ao fechar a porta para opiniões divergentes e preparar, sempre, o caminho da judicialização da política e das políticas públicas.

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