sexta-feira, 3 de julho de 2015

Uma cunha entre mim e a democracia

O Brasil virou uma Venezuela. Talvez faça tempo que tenha virado, mas hoje resolvi escrever sobre isso, pois não se sabe mais o que acontece no país.

Antes, era a campanha cega contra o presidente Hugo Chávez que fazia com que chegassem notícias e manchetes deformadas para nós. As imensas passeatas, as eleições e plebicitos, os programas sociais, o boicote ao país da indústria, tudo isso era deformado para termos uma visão de um país em caos. Eternamente em caos por causa de uma opção pela autodeterminação de uma nação soberana.

Não que discutir os rumos políticos e sociais da Venezuela seja prioridade, mas o que acontece lá é de suma importância para os movimentos do Brasil na política internacional e economia mundial para consolidar-se como potência mundial.

Mas, hoje, também não reconhecemos o Brasil.

Se anda na rua, e não sabemos que país é este.

Tudo está mediado de forma espúria.

Esta semana, fomos tomados pelas pedaladas do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que encontrou algo do regimento da casa para respaldar o atraso e garantir a aprovação de uma das medidas mais simbólicas do retrocesso humanizador que estamos sofrendo: a redução da maioridade penal.

Pela fala dos deputados, não se anda na rua sem ser assaltado por um menor. Não importa se menos de 1% dos crimes contra a vida são cometidos por estes cidadãos, reconhecidos pela nossa constituição como tendo priodidade na proteção social.

Mas, como disse, isso é o forte simbolismo de algo mais profundo (não que não seja importante em si, mas a discussão é mais ampla).

Dormimos uma noite pensando uma coisa, e, de reprente, mudam a regra e perecebemos que a 'realidade' era outra.

O que Cunha fez foi casar os acontecimentos políticos com sua visão de mundo. Não se aceita que outros que não tenham a mesma visão conseguiram uma apoio suficiente para barrar o seu ponto de vista.

Do mesmo jeito é o que lemos nos jornais.

Viramos o país do desespero, da corrupção, dos desmandos. Não temos mais chão, não temos mais horizonte, não temos mais visão.

As manchetes se repetem dia sim e dia não, e são desmentidas dia não e dia sim, num esbofetar constante de nossa cara até nos fazer acreditar. Como um filme de holywood no qual o protagonista espalma o rosto de uma pessoa histérica para que ela saia da transe.

Mas, há quase 20 anos atrás, eu sabia que iria dar nisso ao pisar em uma redação de jornal pela primeira vez.

Vi que as redações dos nossos jornais são comandadas por jornalistas classistas que treinam profissionais saídos de escolas homogenizadas pela exigência do dilploma e... pasmem, são da mesma classe social. Oriundos das melhores faculdades, mas de uma classe que resolveu se esconder atrás de muros e portões fechados.

Mas destas torres de marfim, esta visão de país se alastra para outras classes, sem dar contraponto à realidade.

Do outro lado, as redes sociais e os blogs parecem começar a fazer um contraponto, mas não.

Mais de 70% do conteúdo das redes sociais replicam o que noticiam e opinam os jornais que não vêem o Brasil, do outro lado blogueiros assumem sua posições ideológicas e também publicam apenas o Brasil que acreditam ver.

No final, ficamos só, você e eu, a decidir o que é realidade.

Sair nas ruas, ver o que está acontecendo é o melhor remédio.

Como sempre digo, a realidade está em algum lugar entre o desespero da mídia empresarial e a trincheira do 'bem' cavada pelos blogueiros antagônicos.

E a verdade é que estamos desconstruindo um país.

Não estamos desfazendo o país de 12 anos de PT no poder, mas o país de lutas homéricas pelos direitos sociais de mais de meio século.

Enquanto isso, a população se vira.  A maioria rechaça o ódio e sabe, mais do que ninguém, viver sem nossas frágeis instituições.

Mas a democracia requer debate e, sobretudo, respeito às minorias para se fortalecer.

De todos os discursos daquela noite assombrosa, imposta pela vontade imperial do presidente da Câmara, o mais assustador foi o discurso de um deputado que xingou os que não concordaram com a redução da maioriadade penal de não serem brasileiros e, na sequência, disse que deveria existir uma unanimidade a favor da redução da maioridade penal.

Entre mim e ele existe um abismo. Entre mim e ele existe a democracia.

Eu não vou ser parte desta unanimidade que não vê país e, sobretudo, que não vê futuro.

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