sexta-feira, 26 de junho de 2015

Vai chegar o dia

Shakespeare, ou melhor, seus personagens, têm uma profunda compreensão do drama humano. Eles podiam olhar no longo prazo, agir no curto e revisitar a história para entender o presente. 

Um dos meus personagens shakespirianos favoritos - aí não sei se me apaixono pela beleza do texto ou pela lucidez do vilão - é Ricardo III. 

Bem no começo da peça, ele mistura a situação política com seus anseios pessoais e, claro, com sua desmesurada ambição. O seu lugar, afirma ele, não é ser um coadjudante da história, mas sim seu principal protagonista. 

Mas ele via, e fez acontecer, que outros tempos virão, pois percebida o tempo da história:

"Now is the winter of our discontent
made glorious summer by this sun of York.
And all the clouds that lour'd upon our house
In the deep bosom of the ocean buried.
Now are our brows bound with victorious wreaths;
Our bruised arms hung up for monuments;
Our stern alarums changed to merry meetings,
Our dreadful marches to delightful measures.
Grim-visaged war hath smooth'd his wrinkled front;
And now, instead of mounting barded steeds
To fright the souls of fearful adversaries,
He capers nimbly in a lady's chamber
To the lascivious pleasing of a lute."


(O inverno do nosso descontentamento foi convertidoagora em glorioso verão por este sol de York, e todas as nuvens que ameaçavam a nossa casa estão enterradas no mais interno fundo do oceano. Agora as nossas frontes estão coroadas depalmas gloriosas. As nossas armas rompidas suspensas como troféus, os nossos feros alarmes mudaram-se em encontros aprazíveis, as nossas hórridas marchas em compassos deleitosos, aguerra de rosto sombrio amaciou a sua fronte enrugada. E agora, em vez de montar cavalos armados para amedrontar as almas dos temíveis adversários, pula como um potro nos aposentos de uma dama ao som lascivo e ameno do alaúde.)

Esta longa fala serve apenas como introdução para explicar que ele trama algo e que não está satisfeito com o que acontece. Ao mesmo tempo, critica a sensação de tranquilidade do reino, avisando que nem tudo está sob controle, como sonham os poderosos.

No Brasil de hoje, vivemos a mais absoluta incapacidade de ver o futuro. Olhamos para o presente como se fosse o todo, como se o passado não tivesse mais importância. Como se não tivéssemos futuro.

Neste presente, toda a nação foi tomada por uma sensação de desgosto e de derrota. Nada funciona ou funcionou como deveria. Nada era o que pensávamos. O que nos dava destaque, agora está sendo vilmente atacado. O que conquistamos, hoje está friamente escondido. O que nos dava esperança, hoje está enterrado debaixo de acusações mil e de um vai e vem policialesco na república judiciária que deixamos criar.

Como as armas dos dias de batalha citadas na peça, nosso glorioso passado recente está enterrado a mil léguas debaixo de um oceano falso de lama.

Mas isto, como bem percebeu o Duque de Gloucester (o futuro Ricardo III), não levou em conta o descontentamento de alguns.

O Brasil não é de brincadeira, não é terra de ninguém e nem o pior lugar do mundo. Conquistamos muito nestas últimas quatro décadas, desde o fim da ditadura. Os que querem voltar ao passado, serão derrotados, pois não haverá trégua para aqueles que quiserem desafiar as conquistas.

Vejo em torno de mim uma vontade de fazer as coisas certas. Empreendedores sociais que buscam saída, movimentos populares que buscam aprofundar conquistas, empresários com a gana de investir e inovar, todos agindo, incansávelmente, mesmo com o orgulho ferido por um mundo faz de conta do achaque e derrotismo.

Este mundo que brada, hipocritamente, sempre contra a corrupção alheia como desculpa para o retrocesso. 

O dia virá, sim, quando estes tempos sombríos passarão, e os que hoje gozam deste poder enganador, cavalgando manchetes alucinadas sobre desmandos da república, vão perceber que sua calavagada era apenas em direção ao abismo.

Vamos olhar para trás e ver que chegamos perto, muito perto, de entregar todas as conquistas, mas, vamos nos dar conta, que isso nunca poderia acontecer, porque existem muitos que não são nem coniventes e nem estão contentes com o que acontece.

Vamos perceber que sempre avançamos nos direitos, na economia, no empreendedorismo e na sociedade, nos afirmando como país soberano com o qual sonharam alguns nestes mais de 100 anos de república.

E nesse dia, eu, entre milhões de brasileiros, soltarei um profundo suspiro de alívio pelos tempos que sabíamos que iriam passar. 

O dia virá quando poderemos, enfim, gozar de tudo que consquistamos diante de um mundo que não conseque encontrar soluções e que quer nos arrastar para o abismo.

Hoje, somos o vilões por acreditar no que foi conquistado, por entender o passado e por ousar sonhar com um futuro. Amanhã, seremos os protagonistas que, mesmo na adversidade, continuamos a acreditar e a agir.

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